No mundo quântico, a idéia de que os objetos são indivíduos é falaciosa | ||
por Adonai S. Sant´Anna | ||
Considere uma caixa na qual existe uma grande coleção de bolas de bilhar, todas com tamanho, cor e massa iguais. Batize uma bola qualquer dessa coleção de Napoleão. Em seguida, coloque-a de volta na caixa e a agite por bastante tempo. Se você escolher novamente uma bola da caixa, como saber se ela é Napoleão? Existem pelo menos duas maneiras de resolver esse problema. Uma é marcar a bola com tinta. Outra opção é seguir sua trajetória. Essas duas soluções são possíveis porque podemos considerar que bolas de bilhar são indivíduos, pois são passíveis de ser rotuladas. O mesmo vale para inúmeros objetos materiais que conhecemos. No entanto, no que se refere a partículas elementares que formam matéria ou campos, como elétrons, prótons e fótons, a situação muda totalmente. Se, por exemplo, um átomo de sódio é excitado pelo acréscimo de um elétron e, ao voltar ao seu estado fundamental, libera outro elétron, não há como saber se a partícula liberada é a mesma que energizou o átomo. Isso porque é fisicamente impossível pintar elétrons ou seguir suas trajetórias. O que sugere a possibilidade de que as partículas elementares do mundo quântico não sejam bolas de bilhar, no sentido de não serem providas de individualidade. Na verdade, é muito importante que o físico considere a existência de coleções de partículas elementares completamente indistinguíveis entre si. Caso contrário, ele não conseguirá descrever matematicamente certos dados experimentais consagrados. Um dos problemas emergentes dessa característica é determinar se a impossibilidade de distinguir partículas se deve a uma limitação de nosso conhecimento ou é uma propriedade intrínseca dos objetos do mundo quântico. No primeiro caso, seremos obrigados a considerar a existência de propriedades da matéria e dos campos que vão além do que se observa em laboratório, o que pode implicar uma complexa descrição metafísica das partículas que formam o mundo em que vivemos. No segundo caso, teremos de rever a matemática que descreve o mundo quântico, pois nela não há espaço para coleções de múltiplos objetos indistinguíveis. | ||
Se todas as propriedades físicas conhecidas pudessem descrever por completo uma partícula elementar, então seria matematicamente impossível a existência de grandes coleções de partículas indistinguíveis. A matemática usual é fortemente inspirada nas experiências que temos no dia-a-dia, inconsistentes com a aparente realidade do mundo de prótons e elétrons. Na prática, os físicos usam certos truques bastante ardilosos (apesar de conceitualmente questionáveis) para descrever tais coleções. Há um constante apelo a expressões matemáticas cuja interpretação física não é nada natural. Um dos primeiros a perceber a necessidade de uma nova matemática para lidar com o problema foi o russo Yuri Manin, em 1974. Em países como Brasil, Itália, Inglaterra e Estados Unidos, alguns esforços interessantes têm sido feitos nesse sentido. A literatura sobre o tema é imensa. Para dificultar as coisas, existem diferenças conceituais muito significativas entre teorias de partículas e teorias de campos, sejam clássicas ou quânticas. Fala-se muito, por exemplo, em partículas indistinguíveis, mas nada sobre campos indistinguíveis. Uma das principais lições da não-individualidade é atacar o perigoso (apesar de não necessariamente indesejável) compromisso que a matemática usual tem com a maneira como os matemáticos percebem o chamado mundo real. Nossa visão usual é a de que pessoas e objetos são indivíduos. Cada pessoa, flor e número são únicos. Apesar da idéia amplamente divulgada de que a matemática lida com conceitos ou estruturas abstratas e genéricas, seu vínculo com a "realidade" em que o matemático vive nem sempre é questionado com a devida propriedade. Cabe uma advertência: cuidado com a matemática que espelha o matemático. |
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Uns mais iguais do que os outros
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Artigos científicos
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