Grisha Perelman, o matemático antivedeta
Classificação das superfícies tridimensionais foi consagrada com a atribuição da Medalha Fields. (1)
O matemático russo Grigory Perelman resolveu a conjectura de Poincaré, um problema colocado pelo célebre matemático francês em 1904 e que, desde então, permanecia por resolver. Pela sua descoberta da solução, Perelman foi agraciado com a Medalha Fields, considerada o Prémio Nobel da Matemática, no Congresso Internacional de Matemática que decorreu no Palácio Municipal de Congressos de Madrid, de 22 a 30 de Agosto de 2006. Além de Perelman, foram também vencedores das medalhas Fields os matemáticos Andrei Okounkov (U. Princeton), Terence Tao (U.C. Los Angeles) e Wendelin Werner (U. Paris-Sud e École Norm. Sup.). A atribuição do prémio decorreu na cerimônia de abertura do Congresso, presidida pelo rei Juan Carlos. Apenas Grigory Perelman, que não compareceu no evento, recusou a Medalha Fields (facto único na história deste prémio).
A conjectura de Poincaré é fundamental na topologia, também chamada "geometria sem pormenores", o ramo da Matemática que lida com as formas. Assim, em topologia dois objetos são considerados idênticos se puderem ser transformados um no outro sem dobrar ou rasgar, como se fossem feitos com uma massa elástica. Desta forma uma superfície esférica é, para um topólogo, equivalente à superfície de um copo, mas diferente de uma xícara com uma pega. Da mesma forma donut é equivalente a uma xícara com uma alça, mas diferente de uma xícara com duas alças. E assim sucessivamente, de forma que qualquer superfície finita com duas dimensões é equivalente a uma superfície esférica com um número finito (que pode ser zero, um, dois...) de alças (ou "buracos"). Este resultado já era conhecido desde o século XIX.
A classificação de superfícies de dimensão superior (que não podem ser visualizadas em três dimensões) revelou-se bastante mais complicada. Poincaré conjecturou que todas as superfícies finitas de dimensão maior que dois sem nenhum tipo de "buracos" são topologicamente equivalentes a esferas da mesma dimensão, mas não foi capaz de provar. A conjectura de Poincaré já tinha sido provada para esferas de dimensões superiores a 4 por Stephen Smale (Medalha Fields em 1966) e para quatro dimensões por Michael Freedman (Medalha Fields em 1986). Restava somente o caso tridimensional, para o qual o matemático William Thurston, no final dos anos 70, propôs uma generalização. Tal como todas as superfícies fechadas bidimensionais podem ser construídas combinando somente duas formas, a esfera e o donut (a "alça"), também algo semelhante se passaria com as superfícies tridimensionais, que poderiam ser todas construídas a partir não de duas, mas de oito formas fundamentais. Só por ter proposto esta conjectura de geometrização, que automaticamente inclui a conjectura de Poincaré em três dimensões, Thurston, neste momento na Universidade de Cornell, foi igualmente agraciado com a Medalha Fields em 1986.
Richard Hamilton, da Universidade de Columbia, propôs no início dos anos 80 a aplicação ao estudo das formas de superfícies de uma técnica, chamada fluxo de Ricci, baseada nas equações de geometria diferencial como as que se utilizam na Teoria da Relatividade Geral. Este processo transforma uma superfície numa forma mais homogênea, redistribuindo a sua curvatura. Hamilton teve sucesso a aplicar este processo a objetos simples, mas os problemas surgiriam em objetos mais complicados que incluíssem pontos, chamados singularidades, cuja curvatura fosse infinita. Os topólogos poderiam removê-las, mas não havia garantias de que com este processo não se formassem singularidades novas.
Seria Perelman a resolver este problema em 2002, ao demonstrar uma série de desigualdades que evidenciam que as singularidades acabam por se transformar todas em esferas ou tubos, num tempo finito após o fluxo de Ricci ter começado. Os topólogos poderiam assim removê-las e levar o fluxo de Ricci até ao fim, revelando a essência topológica dos espaços em questão e demonstrando as conjecturas de Poincaré e Thurston. O grande entusiasmo causado pela prova de Perelman deve-se nem tanto ao resultado em si, que pelo menos no caso da conjectura de Poincaré era bastante intuitivo e que toda a gente dava como verdadeiro, mas mais ao método usado, tendo-se revelado ligações profundas até então desconhecidas entre diferentes ramos da Matemática.
Grisha Perelman, o matemático antivedeta
Tal como esperado por todos os matemáticos, Grigory Perelman foi um dos vencedores da Medalha Fields. No entanto, o matemático não marcou presença no Congresso e recusou a medalha Fields, fato único na história deste prémio.
Nascido em São Petersburgo em 1966, Perelman começa cedo a revelar um talento excepcional para a Matemática, tendo ganho, ainda na escola secundária, uma medalha de ouro na Olimpíada Internacional de Matemática de 1982. Depois de se doutorar, na Universidade Estatal de São Petersburgo, Perelman mudou-se para os Estados Unidos da América, tendo sido investigador de pós-doutoramento no Instituto Courant e nas Universidades do Estado de Nova Iorque (Stony Brook) e da Califórnia (Berkeley). Já na altura o seu trabalho era considerado de alto nível. Em 1995 tinha convites de outras universidades americanas como Princeton e Stanford, mas decidiu regressar à sua São Petersburgo e tornar-se membro do Instituto de Matemática Steklov, posição que mantém até hoje.
A sua reputação de cientista isolado começou em 1996, quando recusou um prêmio da Sociedade Européia de Matemática para jovens talentos. Nos anos que se seguiram manteve-se isolado em São Petersburgo, sem publicar nenhum artigo nem contactar com nenhum colega de outra universidade. Muita gente pensou então que Perelman simplesmente abandonara a investigação em Matemática. "Ninguém sabia que ele estava a trabalhar na conjectura de Poincaré", garante Michael Anderson da Universidade de Stony Brook. Mas em Novembro de 2002 Perelman revelou finalmente aquilo em que andara a trabalhar nos últimos oito anos, quando publicou em www.arxiv.org um "esboço" de uma prova completa. Imediatamente o artigo chamou a atenção nos EUA, tendo o autor sido convidado para dar minicursos em Stony Brook e no Instituto de Tecnologia do Massachussets (MIT) na Primavera de 2003. Nessa altura Perelman publicou mais dois artigos na internet com os pormenores da demonstração. Ainda hoje Perelman não os enviou para publicação em nenhum jornal, e não consta que pretenda fazê-lo.
Em 2000 o Instituto Clay, uma instituição privada de investigação em Matemática, estabeleceu os sete "problemas do milênio", oferendo pela resolução de cada um deles um prémio de 1 milhão de dólares. A conjectura de Poincaré é um desses problemas. O prêmio ainda não lhe foi atribuído; antes, um júri tem de considerar a sua prova oficialmente válida, algo que poderá estar eminente. Mas Perelman já anunciou não estar interessado no dinheiro. Desde que regressou a São Petersburgo, Peterman não voltou a dar sinal de vida. Nenhum dos e-mails enviados quer a ele quer ao Instituto Steklov teve resposta. Nem mesmo os da organização do Congresso Internacional de Matemática, a convidá-lo para dar uma palestra principal.
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