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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Arte, Ciência e Música


Quanto à música, há também vários episódios que a ligam à ciência. Os Pitagóricos, para além de matemáticos, eram músicos, e o conceito de musica universalis está directamente relacionado com esse apego. Mais tarde, no século VI, o filósofo Anicius Boëthius (c. 480–524 ou 525 DC?) dividiu a ciência em sete áreas — gramática, dialéctica, retórica, aritmética, geometria, astronomia e música —, considerando as três primeiras disciplinas com um todo, e as últimas também como um conjunto. Depois, dividiu a música em três categorias: musica mundana — relação entre os corpos cósmicos, uma ideia na linha da musica universalis pitagórica —, musica humana — a harmonia do corpo e da alma —, e musica instrumentalis, música composta, vocal e instrumental. Mais recentemente, Gotfried Leibniz (1646-1716) escreveu: a música é a conta aritmética oculta no espírito inconsciente. Para alguns músicos, filósofos e cientistas, a matemática não é apenas a linguagem das ciências naturais e da engenharia, é também a linguagem da música. As composições soberbas de Johan Sebastian Bach (1685-1750), e a relação destas com a matemática têm sido amplamente estudadas, sendo certo que Bach utilizou a secção de ouro e a sucessão de Fibonacci em algumas das suas fugas para órgão*. Em 1436, Guillaume Duffay (c. 1400-1474) compôs e apresentou o motete Nuper Rosarum Flores na consagração da Catedral de Florença (após a conclusão da cúpula por Filippo Brunelleschi). Há estudos que asseguram que a estrutura do motete reflecte as proporções do edifício.
A música e a medicina também têm alguns pontos de contacto. Desde que Gioseffo Zarlino (1517-1590) e Athanasius Kircher (1601-1680) abordaram a relação entre música e saúde, foram publicados vários estudos sobre as propriedades terapêuticas da música. Um dos episódios mais pitorescos desta relação entre música e medicina é a tarantella, uma dança do Sul da Itália que se julgava ser capaz de curar as mulheres (alegadamente) vítimas de mordeduras de tarântulas.
Estes exemplos (e muitos outros que ficaram por contar) mostram-nos que as artes e as ciências, para além de partilharem alguns traços nos seus processos criativos, sempre se alimentaram mutuamente. No entanto, àqueles que ouvem acriticamente os discursos de alguns dos seus agentes, pode parecer que estes campos gémeos, nos quais se manifesta o conhecimento humano, sempre estiveram de costas voltados. Embora os objectos artísticos contemporâneos sejam tantas vezes criados com o auxílio de novas tecnologias, a postura geral é de cisma. Mas este é apenas um capítulo de uma disputa mais ampla entre ciências e humanidades identificada por Charles P. Snow (1905-1980) na célebre palestra The Two Cultures (1959). Depois, nos anos noventa do século passado, as guerras das ciências atingiram o auge e a arte foi arrastada pela histeria. O Homem da Renascença caiu no esquecimento.
(...)
*Recentemente, a musicóloga Helga Thoene afirmou que a Partita para violino nº2 (1717-1723) de Bach tem corais escondidos na sua estrutura que formam um epitáfio musical da sua falecida mulher, Maria Barbara (1684-1720).
Carlos M. Fernandes, in ROBOT ARTe, catálogo da exposição de Leonel Moura com o mesmo nome

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