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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

A intrigante comunicação das bactérias

Até há bem pouco tempo ninguém imaginava que as bactérias conversassem entre si, muito menos de um modo capaz de alterar seu comportamento.
por Marguerite Holloway
É de manhã bem cedo e Bonnie L. Bassler atravessa o campus da Princeton University. Ela vem direto da aula de aeróbica que dá toda manhã, às 6:15 - "Levanto exatamente às 5:42, nem um minuto antes, nem um minuto depois", diz, enfática. Bassler fala quase tudo com a mesma energia, e, quando a conversa passa para seu trabalho, ela fica, se é que isso é possível, ainda mais dinâmica. "Não fui feita para ficar parada no tempo", ri. "Fui feita para ser um furacão."

Bassler - professora de biologia molecular, ganhadora de um prêmio em 2002 pela MacArthur Foundation, e ocasionalmente atriz, dançarina e cantora - tem 41 anos e estuda as bactérias e o modo como elas se comunicam entre si e com outras espécies. O "quorum sensing", como o fenômeno é chamado, algo como percepção de quórum, é uma ciência jovem. Até há bem pouco tempo ninguém imaginava que as bactérias conversassem entre si, muito menos de um modo capaz de alterar seu comportamento. Bassler tem tido um papel fundamental na rápida ascensão dessa área. Ela decifrou alguns dos dialetos - mecanismos genéticos e moleculares que diferentes espécies usam - mas é mais conhecida por ter identificado o que pode ser uma linguagem universal compartilhada por todas as espécies, algo a que ela se referiu, bem-humorada, como "esperanto bacteriano".

Como o nome sugere, o quorum sensing descreve como cada bactéria percebe quantas outras há nas redondezas. Se há presença suficiente (quórum), elas podem pôr mãos à obra imediatamente ou decidir "enrolar" mais um pouco. Milhões de bactérias luminescentes são capazes de decidir emitir luz ao mesmo tempo para que seu hospedeiro, uma lula, por exemplo, brilhe - talvez para distrair predadores e fugir. Ou bactérias salmonela podem resolver esperar até que seus batalhões estejam organizados antes de liberar uma toxina que faça o hospedeiro adoecer; se agissem como assassinos independentes, em vez de atuarem como exército, o sistema imunológico provavelmente as eliminaria. Pesquisadores mostraram que as bactérias também usam o quorum sensing para formar a placa bacteriana sobre os dentes, corroer cascos de navios e controlar a reprodução e a formação de esporos.

Se realmente for assim, as implicações são enormes. O quorum sensing nos remete à evolução. Talvez as primeiras bactérias tenham se comunicado, depois se organizado de acordo com diferentes funções e, finalmente, formado organismos complexos. De forma mais prática, o quorum sensing dá à medicina uma nova estratégia: se destruirmos o sistema de comunicação de bactérias perigosas, como o enterococo resistente a antibióticos, talvez elas não consigam organizar seu ataque com eficiência. Nas palavras de Bassler, "você tanto pode torná-las surdas como mudas".
O estudo do quorum sensing tem suas raízes nos anos 70. Dois cientistas - J. Woody Hastings e Ken H. Nealson - descobriram que uma bactéria marinha, Vibrio fischeri, só produzia luz quando sua população atingia certa número. Se havia poucas bactérias, elas não ficavam bioluminescentes. Os dois pesquisadores especularam que as bactérias produziam um sinal - chamado por eles de auto-indutor - que gritava "Estamos aqui, estamos aqui". Quando o volume da gritaria aumentava o bastante, o conjunto brilhava. Em 83, Michael R. Silverman, então no Agouron Institute em La Jolla, Califórnia, e um colega, identificaram os genes do auto-indutor e do receptor da V. fischeri.

Bassler começou a trabalhar com Silverman em 1990, depois de concluir seu doutorado na Johns Hopkins University. Ela decidiu se concentrar em outra bactéria marinha luminosa, V. harveyi, para descobrir se seu sistema de sinais era semelhante. Trabalhou criando bactérias mutantes - desativando um gene aqui, outro ali, para ver se conseguia identificar qual fazia a bactéria se iluminar na presença de companheiras. "Você apaga a luz da sala e procura aquelas que estão apagadas quando deviam estar iluminadas e vice-versa. É genética para imbecis", ironiza. Bassler encontrou os genes do auto-indutor e do receptor da V. harveyi.

Ela também descobriu algo surpreendente. Se retirasse esses dois genes e colocasse a V. harveyi modificada em companhia mista - isto é, perto de grupos de espécies diferentes de bactérias - , ela brilhava. "Soube então que havia um segundo sistema", lembra. As bactérias "não têm espaço em seu genoma para ser burras, então deveria haver um propósito específico para esse sistema". As bactérias diferentes estavam emitindo alguma coisa a que a V. harveyi estava respondendo. Bassler chamou essa alguma coisa de auto-indutor dois (AI-2).

Em 94, quando o campo do quorum sensing começava a crescer, Bassler foi para Princeton. Com o tempo, ela e outros mostraram que o quorum sensing deflagra a liberação de toxinas por bactérias como a V. cholerae. E descobriram que cada bactéria testada tinha seu próprio auto-indutor, que usava para se comunicar com seus pares. Bactérias gram-negativas como a Pseudomonas aeruginosa usam várias versões de moléculas AHL (acil-homoserina-lactonas); bactérias gram-positivas como Staphylococcus aureus usam peptídeos.

Mas a maioria das bactérias analisadas por Bassler também usava AI-2. Até 97, "vimos que todas aquelas bactérias usavam essa molécula, e não só bactérias malucas e esquisitas do oceano. Então imaginamos que as bactérias deviam ter um jeito de se reconhecer entre as outras." Para Bassler, a idéia de que bactérias diferentes conversam faz todo sentido. Há 600 espécies de bactérias nos nossos dentes todas as manhãs, e elas formam exatamente a mesma estrutura toda vez: essa vem depois daquela, aquela depois daquela outra", diz. “Pareceu-nos que simplesmente não dá para fazer isso se a única coisa que você puder detectar for você mesmo. Tem de conhecer `o outro`.                                                                                                                                                                                                                                                                                             Bassler e seus alunos partiram para purificar e caracterizar o AI-2. Finalmente conseguiram. O AI-2 é uma formação incomum - um açúcar com um boro no meio. "O que é incrível nessa molécula é que é a primeira da história a ter uma função biológica para o boro. Da história!", exclama Bassler.

Atualmente Bassler e seus colegas estão tentando determinar se o AI-2 é realmente uma molécula que trabalha sozinha como sinal ou se combina com outras moléculas para criar "linguagens" ligeiramente diferentes. Se for a última opção, nada de esperanto. "O trabalho dela é realmente fantástico", diz o microbiologista Richard P. Novick, da New York University. "Mas há controvérsia sobre de onde [o AI-2] vem e por quê. E sua atuação em sistemas diferentes não está clara."

Alguns cientistas também acreditam que certos aspectos do quorum sensing - mas não as descobertas de Bassler - possam ter recebido uma interpretação forçada. “As bactérias querem se comunicar ou isso acontece apenas por acidente?”, pergunta Stephen C. Winans, microbiologista da Cornell University. "Essa idéia deu por certo que as bactérias querem se comunicar entre si. Pode ser bom demais para ser verdade."

A energia de Bassler - seu amigo e mentor Silverman a descreve como "extremamente motivada", "sempre numa caçada" e "simplesmente feroz" - sugere que ela vai conseguir ouvir até a última palavra das bactérias. Por enquanto, continua concentrada em entender o AI-2. "Quero que tudo seja uma coisa só, por isso tenho certeza de que está errado", diz. "Quero que seja uma coisa só porque é melhor se você quiser fazer uma droga, certo?" Bassler é uma entre vários pesquisadores de quorum sensing que trabalham para empresas no desenvolvimento de medicamentos. Em 1999 ela formou a empresa Quorex com um ex-colega de Agouron. Apesar de sua participação estar atualmente limitada, ela tem esperança de que a iniciativa encontre novos antibacterianos. "Essa era realmente uma ciência considerada alternativa", diz Bassler. "Agora é essa área extraordinária, que nem mesmo existia 10 anos atrás."




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