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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Chaves para desvendar o Universo

Chaves para desvendar o Universo
por Luís Crispino

Na infância, ao atirarmos objetos para cima, facilmente nos convencíamos de que eles sempre deveriam retornar. Nas aulas de física, no entanto, aprendemos que há uma velocidade mínima a partir da qual objetos atirados da Terra não mais retornariam à sua superfície. Este valor, denominado velocidade de escape, é, na Terra, pouco mais de 11 km/s. Em 1783, cerca de 100 anos após o matemático e filósofo natural inglês Isaac Newton ter proposto sua teoria de gravitação, o geólogo inglês John Michel imaginou a situação de corpos celestes com uma atração gravitacional tão intensa que mesmo a velocidade da luz – que hoje sabemos ser 300 mil km/s – seria inferior à velocidade de escape. Essa idéia foi revisitada alguns anos depois pelo matemático e astrônomo francês Pierre Laplace, que denominou estes objetos, nos quais a luz fi caria aprisionada, de estrelas escuras.

Mas foi somente em 1916, cerca de um ano após o físico nascido na Alemanha Albert Einstein ter proposto sua teoria revolucionária que relaciona a presença de matéria com a curvatura do espaço-tempo, que o astrofísico alemão Karl Schwarzschild encontrou as soluções das equações da relatividade geral que descreviam mais precisamente esses corpos bizarros.

Em meados do século 20, os buracos negros eram tão controversos que o próprio Einstein chegou a concluir, baseando-se em argumentos físicos, que eles não poderiam existir na realidade física. Hoje há evidências observacionais de que esses objetos estejam presentes em sistemas estelares binários emissores de raios X – assim como no centro das galáxias. Além disso, os buracos negros são considerados peças fundamentais nos quebra-cabeças relacionados a algumas das mais importantes questões da física moderna, como gravitação quântica, dimensões extras, ondas gravitacionais, raios cósmicos de altas energias e a própria mecânica quântica. Vejamos essas questões com algum detalhe.

No início da década de 70 o físico inglês Stephen Hawking demonstrou que buracos negros não só seriam indestrutíveis, como também não diminuiriam de tamanho por qualquer processo clássico. Poucos anos mais tarde, combinando ingredientes da relatividade geral e da mecânica quântica, o próprio Hawking mostrou que esses objetos, indestrutíveis do ponto de vista clássico, poderiam evaporar, emitindo uma radiação térmica cuja temperatura é inversamente proporcional à sua massa. Com o passar dos anos esse foi um dos resultados mais populares da física. Desde a descoberta de Hawking até agora cientistas têm se dedicado ao estudo dos detalhes da evaporação dos buracos negros.

Em física, idéias incluindo a hipótese de dimensões extras – além das três dimensões espaciais mais uma temporal – para explicar a Natureza e, em particular, a gravitação são quase tão antigas quanto a própria idéia do espaço-tempo quadridimensional proposta pelo matemático nascido na Lituânia Hermann Minkowski. A existência de dimensões extras levaria a modificações na gravitação em distâncias muito pequenas. Especula-se que o LHC (Large Hadron Collider), um gigantesco colisor de partículas que deverá entrar em operação regular ainda este ano, possa produzir miniburacos negros em laboratório, podendo assim evidenciar a existência das dimensões extras.

Entre as previsões da relatividade geral que ainda aguardam por uma confirmação definitiva, estão as ondas gravitacionais. Detectores como o Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory (Ligo) nos Estados Unidos e o Mário Schenberg no Brasil estão em busca das primeiras evidências diretas dessas ondas. Entre os sistemas produtores de ondas gravitacionais com maiores chances de detecção estão os buracos negros em processos de colisão.

Estudos recentes, destacando-se o realizado pela equipe do Observatório Pierre Auger – em uma colaboração internacional que inclui cientistas brasileiros –, têm associado raios cósmicos – partículas que atingem a Terra, provenientes do espaço – de altíssima energia com núcleos galácticos ativos hospedando buracos negros gigantes.

Os estágios finais da evaporação de buracos negros também têm proporcionado intensos debates na comunidade científica. Uma estrela preparada de forma a determos a máxima informação sobre seu estado inicial, colapsada em um buraco negro e que evaporasse completamente por emissão de radiação térmica implicaria uma perda líquida de informação no Universo, o que é incompatível com a mecânica quântica. A resposta a esse enigma pode estar ou em correlações sutis na radiação resultante, ou no fato de o buraco negro não evaporar completamente, ou mesmo em eventuais modificações na própria mecânica quântica.

Em todos esses desafios da física contemporânea, buracos negros figuram como elementos fundamentais, evidenciando o porquê de hoje serem tidos como poderosas chaves para desvendar os mistérios do Universo.

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